01 novembro 2007

As lavandarias



Salas quadradas de cilíndricos cubos rotativos. Milhares de cavalos-vapor que fazem ressonar os desconjuntados tambores oscilantes das lavadoras-máquinas. Milhões de vapores assépticos vendidos em frascos de plástico com aroma de alfazema.
As roupas entram alinhadas atrás das pessoas. As roupas escondem sentadas a sujidade das pessoas que as vêm lavar. As cadeiras. Páginas de livros que se colam aos dedos em suadas eternidades de espera.
Os cavalos giram enfurecidos enquanto os tambores relincham. Fazem-se apostas…
As máquinas sorriem lucros! Os bolsos encardidos libertam moedas branqueadoras que penetram na imaculada ranhura das lavadoras. Plimm… Uma corrida de amaciadores sonhos brancos, bem cheirosos, delicados.
O programa 2 transporta lãs e sedas para a meta. Os cavalos matam a sede com galões de água-detergente. As peúgas tropeçam na ferrugem das máquinas. Os tambores cilindram as desmaiadas roupas ensopadas no suor do vapor dos acelerados cavalos centrifugantes. A lavadora 6 chega ao fim… Depois a 3, a 8, a 12…
Os dedos descolam-se dos livros e mimam os exaustos cavalos com mais algodão-doce.
As cadeiras vazias parem pessoas. As pessoas transpiram bafo de cavalo dentro do abafado limite daquelas salas. A humidade enlameia os contornos dos tectos. O bronze das paredes ilude a pseudo-brancura das roupas. As paredes sorriem cinismo: - Logo te sujas!
Mais pessoas nascem de cadeiras vazias. Mais suores alimentam as esperas eternas. Mais moedas desfloram ranhuras em orgias de apostas…
Trocam-se olhares. Os “boxers” quebram os coloridos caninos dos diminutos “fios-dentais” com socos-amor. As calças rebolam no mini-atrevimento das saias em milhentas rotações de desejo. Os cavalos molhados babam vapor de luxúria já perto do clímax. A meta.
A máquina 5 chega em último. As roupas encolhem em 90 graus de vergonha. As profanas peúgas tingem a pureza das sagradas camisas brancas. Os botões descosidos (en) cravam-se nos cascos dos desbotados cavalos de corrida. Perdem-se apostas!
As pessoas rezam prejuízos.
Lavado seja.
Ámão.

4 Comments:

Blogger sombra e luz said...

Ámão?... não sei...
(andando nu, também resolvia... não?...)
Gostei.
Muito.

(já vivi algumas dessas horas de espera em lavandarias públicas...nunca o tinha visto assim... mas agora que o diz, era isso exactamente!)

17:03  
Blogger Saulus Lupus Lunae said...

Realmente. Que forma bela e tocante de descrever uma lavandaria pública. Quase tive vontade de pegar em toda a roupa fétida e correr para a primeira sala quadrade de cilíndricos cubos rotativos.....
Ufa

19:33  
Blogger Regina said...

Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.
Sentir tudo de todas as maneiras.
Sentir tudo excessivamente,
Porque todas as coisas são, em verdade, excessivas
E toda a realidade é um excesso, uma violência,
Uma alucinação extraordinariamente nítida
Que vivemos todos em comum com a fúria das almas,
O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas
Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos
(...)

Afinal, Álvaro de Campos

18:46  
Blogger Rafeiro Perfumado said...

Linda extrapolação, Zé. E meter as máquinas no programa de centrifugação, para lavar os nossos pecados? Ou aproveitar a vibração para cometer novos?

Abraço!

10:49  

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